- Tiago, você participou de um bom período da chamada “retomada cultural” da UNE, primeiro como diretor de cultura da instituição, depois como coordenador geral do CUCA. O que o motivou a dedicar tanto tempo de vida para a construção desse projeto cultural da UNE?
Na verdade, a história começa antes, em 21 de novembro de 1999 no Congresso de reconstrução da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais em Diamantina, na ocasião fui eleito diretor de comunicação e cultura da entidade, a partir de então comecei a atuar na área. Fui coordenador geral do 1 e 2 Circuito Universitário de Cultura e Arte em Ouro Preto em 2001 e 2002 e coordenei o Festival Coração de Estudante, uma parceria da UNE com a Rede Globo de televisão também em Ouro Preto em 2002. A relação com a UNE aumenta ainda mais quando vou a Recife e coordeno a programação da 3 Bienal, depois duas gestões na diretoria de cultura, coordenador geral da 4 e 5 Bienal e uma na coordenação do CUCA.
Confesso que minha entrada na área da cultura foi fruto de uma orientação política, sempre fui um cara antenado, leio, escuto muito rádio, sou ligado em tecnologia, tendências, mas isso por si só não me colocava na área, foi necessário uma decisão política da força da qual participava para que eu, com determinado perfil, ocupasse e desenvolvesse essa tarefa, primeiro na UEE depois com maior ênfase na UNE e no CUCA.
Antes de tudo o que motiva minha vida é uma necessidade incontrolável de alterar o estado das pessoas e do mundo, com o tempo fui aumentando meu grau de consciência e entendendo que era necessário fazer isso de maneira organizada, com objetivos claros e convencendo politicamente pessoas, isso ainda me motiva. Outro fator importante foi que me apaixonei pelo movimento estudantil.
- Qual a importância você vê em a UNE manter um projeto cultural?
Muitas pessoas só conseguem enxergar o projeto de cultura da UNE de maneira isolada, isso por si só já é importante, historicamente a UNE desenvolveu um projeto de cultura e foi importante, penso que devemos aprender com as experiências e desenvolver o trabalho do CUCA, hoje muito mais aberto a experiências de fora da universidade através dos Pontos de Cultura.
Entretanto é preciso ampliar o olhar e visitar a história dessa última “retomada” para entender que a importância está para além do trabalho cultural, no meu entender foi esse movimento cultural que iniciou e pode continuar alimentando uma nova cultura política no movimento estudantil brasileiro e isso é fundamental. A dita retomada acontece em um momento de extrema crise do movimento estudantil brasileiro e foi através da cultura que encontrou-se um caminho e se deu uma forma e conteúdo mais contemporâneo ao movimento.
Esses dois motivos demonstram a necessidade de a cada dia desenvolver mais o trabalho.
- As Bienais da UNE são eventos de bastante potencial de mobilização de público. Consequentemente são bons espaços para fruição e troca culturais. Isso em si basta como projeto cultural?
Definitivamente não. A Bienal antes de mais nada é uma atividade da UNE e penso que o trabalho cultural está para além com o Circuito Universitário de Cultura e Arte.
A Bienal foi um pontapé inicial, um “junta pra ver no que dá”, cumpriu e ainda pode cumprir um papel importante no projeto cultural, mas deve ser entendida como evento que é, nada mais. Um grande momento de celebração e cada vez mais deveria refletir os avanços e retrocessos do trabalho cultural.
O fundamental é entender que é preciso avançar na construção do CUCA, para visitarmos novamente a história, ao final da 1 e 2 Bienal grupos de estudantes fizeram criticas importantes aos eventos, algumas foram superadas outras ainda não, mas todas passavam fundamentalmente pelo entendimento que um trabalho cultural sério não acontece de dois em dois anos e deve sim, ser permanente e fruto de um processo de trabalho e diálogo.
- O que você, como um profundo conhecedor da dinâmica do movimento estudantil e um dos elaboradores do modelo de projeto cultural que a instituição segue, extrai de reflexão sobre o papel das Bienais da UNE num contexto mais amplo da cultura brasileira?
Certamente a parte do trabalho cultural que mais aparece aos olhos do Governo, dos parceiros e do conjunto da sociedade é a Bienal, ela é uma “vitrine” do trabalho cultural, portanto deve ser aproveitada como tal.
Do ponto de vista do calendário cultural brasileiro, não tenho dúvida de que a Bienal se consolidou como um dos eventos importantes, entretanto, a cultura brasileira não pode se limitar ao calendário.
Na atual realidade, entendo que só à medida que a Bienal refletir um profundo processo de criação e relação entre o CUCA e projetos culturais espalhados pelo país, hoje muito associados aos Pontos de Cultura, vai conseguir influenciar e ser influenciada de maneira mais “orgânica” pelo conjunto das experiências da cultura brasileira.
-Você terminou sua trajetória no CUCA da UNE e se tornou um profissional de produção cultural. Montou a produtora Contra Regras e está batalhando seus projetos. Qual seu posicionamento dentro desse mercado, ou seja, como você vê o mercado cultural e age nele? O que você leva da sua experiência no CUCA da UNE para a vida profissional?
Terminei não! Dei um tempo. Na verdade a Contra Regras ampliou minha visão, para além da cultura, pretendemos ter ações também em outras três áreas, esporte, educação e meio ambiente, a agência se propõe a criar, elaborar e executar projetos visando a ampliação dos direitos sociais do cidadão, atendendo o setor público, privado e terceiro setor.
Uma curiosidade é que surgimos do amadurecimento individual de militantes sociais e foi nessa contradição que desde 2003, a partir de atividades do CUCA, gestamos aos poucos a Contra Regras, individual e coletivamente.
A proposta foi montar uma agência, a partir da história do surgimento e da escolha do nome, dá para se perceber que não estamos dispostos a simplesmente nos adaptar, queremos ousar, apresentar um novo conceito desde nossa organização interna, passando pelos projetos desenvolvidos até nossa relação com o tal “mercado”, estamos começando e conhecendo melhor mas, chegaremos a uma relação diferente da maioria, nossa experiência e convicções nos impõem isso.
Confesso que grande parte da experiência que tenho é fruto das atividades que desenvolvi na UNE e no CUCA, tive na verdade bons professores como Ernesto, Tininha e Parras. Se tenho dívidas? Não todas elas foram muito bem pagas com o empenho e paixão que militei, mas o carinho continua grande.
Valeu pela entrevista e um grande abraço a todos os cuqueiros.