Há uma verdadeira ofensiva cultural da burguesia, que se apropria em grande parte do saber(...) de artesãos e camponeses, codificando e simultaneamente intensificando um gigantesco processo de aculturação, já iniciado (obviamente com formas e conteúdos diversos) pela Contra-Reforma. O símbolo e o instrumento central dessa ofensiva é, naturalmente, a Encyclopédie.
(Carlo Ginzburg, Mitos Emblemas e Sinais)
Ginzburg fala sobre o século XVIII. Sobre um processo que, ao longo daquele século, foi criando as academias, estabelecendo os espaços do saber, inventando, por assim dizer, a erudição. Formas de conhecer o mundo sempre existiram. Sempre aqui como uma categoria bem definida: desde o surgimento de um homem-linguagem, o humano criador dos códigos e dos meios de decifrá-los. Mais do que estabelecer que saber veio primeiro ou qual o mais legítimo baseado na sua origem é preciso desmistificar a separação entre eles e suas formas de experimentar o mundo.
Formas de experimentar o mundo. Talvez se trate exatamente isso, ou até somente disso. Quando o doutor diz o que é certo, o que é bom e o que é belo nada mais está fazendo senão tentar estabelecer como as pessoas devem experimentar o mundo. Acima de tudo, tentando proclamar quais são os limites para essa experimentação.
Em vez de rechaçar a ciência como um lugar de saber, é preciso retirá-la do lugar de único meio de conhecer. Ela é um, não é o e antes deste houve outros. Vale a pena pensar, mesmo que en passant no surgimento da vacina e na variolização. Assim ficou conhecida uma forma bastante peculiar das classes populares de prevenir a varíola. Consistia em inserir um punhadinho de pus recolhido do doente em cortes produzidos em pessoas sãs. A experiência mostrou o que era eficaz – curar a partir do próprio veneno – e o método possibilitou que os cientistas pensassem em vacina. Será que os meios racionais levariam um cientista a pensar que para curar uma doença era justamente necessário inserir no organismo são umas provinhas da doença, pra que ele se mobilizasse na produção de anticorpos contra a tal?
23 de setembro de 2008. Será lançado o Pontão de Cultura Instituto CUCA da UNE, temos muito que aprender. Entre Aristóteles e Mestre Vitalino, bordar teias de cultura que nos levem a outras formas de ver o mundo. Se este estado de coisas só muda com a ação dos indivíduos que constroem a história no interior de suas coletividades, antes de tudo é preciso mudar o olhar e as maneiras de experimentar esse mesmo mundo.
Estamos num momento único, onde uma política pública age exatamente nesse eixo: potencializando formas diversificadas de experimentar o mundo. Cabe a nós não perder a chance de escrever e cantar uma linda página da história, onde o doutor e mestre deram as mãos e juntos criaram novos mundos, novas experiências e novas memórias de um Estado chamado Brasil.
2 comentários:
"Mas fora dos recintos das universidades, outro tipo de produção de conhecimento se processa o tempo todo. Concordo em que nem sempre é rigoroso. Não sou indiferente aos valores intelectuais nem inconsciente da dificuldade de se chegar a eles. (...) E tampouco eles [os conhecimentos produzidos fora da universidade] têm sido, no teste da prática, desprezíveis. Ajudaram homens e mulheres a trabalhar os campos, a construir casas, a manter complicadas organizações sociais, e mesmo, ocasionalmente, a questionar eficazmente as conclusões do pensamento acadêmico." E. P. Thompson. Creio que enquando nós, pretensos intelectuais (ou seriamos nerds crescidos?), continuarmos a nos esconder atrás dos muros das instituições, cada vez menos entederemos o mundo e perderemos a sensibilidade necessária para transformá-lo. Sem dúvidas Aline e Thompson concordam comigo. Seus textos não negam isso.
A dialética entre a teoria e a prática é evidente, no âmbito da cultura, das políticas públicas e da gestão cultural, não poderia ser diferente. A própria graduação, além das diferentes especializações na área, foi estabelecida para atender a demanda crescente do pensamento e da prática para uma maior legitimação do nosso mercado cultural. Assim, Aline, realmente, acredito que o CUCA hoje possui uma excelente oportunidade de implantar ações que há muito vem idealizando em suas bienais e encontros de cultura, que seja mais uma grande referência para o nosso país, principalmente, pois estamos falando da Universidade.
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